23 setembro 2017

Pedra de toque


Sonho com a Cidade do Óbvio,
também chamada de Óbvio Ululante;
com quimeras humildes,
entrementes, grandes,
em que pairem, como auréolas,
alegrias que não durem apenas átimos.

Sonho com jornais menos violentos,
com praças com mais flores,
menos prédios, mais ventos
e miríades de estrelas.                                                                                       
Meu sonho é Óbvio,
na minha visão estrita de mundo.

Só em Óbvio posso encontrar -
chame de bom senso
se acreditar que tal coisa existe -
uma certa cordialidade,
certa paz.
Lá posso asseverar que só o amor faz prosperar.

Óbvio reverbera em mim
e ocupa minhas células.
Todas dançam em sua cadência.
Lá, os sonhos saem de uma máquina
que não compreendo bem o funcionamento
ou o fundamento.

Quadro.: Robert McCall’s 

08 julho 2017

Mercúrio em libra



Vem através da guerra
Vem através do homem
Vem através da água
Através do espelho
Eis me aqui, refém

Um corpo estirado
Na pedreira
Um falo à mostra
Dando o seu recado
Impondo a sua maneira

Eu só rezo pela chuva
Qual seda
Cubra estes pastos
Eu rezo pela chuva
De pelica, a luva

É uma questão de estética
Uma questão de visão
Certezas pessoais
Para o mundo cão

Quem abrirá mão?

09 maio 2017

A vida é muita curta para eu te beijar com tanta parcimônia


A vida é muita curta para eu te beijar com tanta parcimônia
A vida é muito curta para eu não te fazer café todos os dias
A vida é muito curta para eu não te dar uma flor por dia

Essa vida é muita curta para não fazer de ti a maior e mais bela poesia

13 abril 2017

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Estrábicas medusas arrastam-se sinuosas
pela calefação das mitocôndrias.
Sussurros despertam a inércia dos rabiscos entrelaçados no vazio.
Escuro e hodierno sol de erupções bucólicas:
Meu corte em transversal da saudade amiúde.
Corações de metal estão pairando sobre o arrebol,
trazem nos calcanhares canções carnívoras que me recordam do dia gris
em que pairei nos teus braços esfumaçados da carvoaria.

Vêm brilhar do fundo do mar as abissais
para que como noiva loba eu te dispa em falsas aquarelas de spleen
e caia no teu enfarto primaveril de Guernica.
Como te dizer que eu te sublimo dos radares que nos multam,
mas não das trepadas que damos até os açaizeiros derrubarem diamantes?
Como te dizer que só me importará o fim, se tivermos relógios para garantir o exclusivismo colonial,
o plantio de novas flores do deserto
e poesias que atinjam a alma como se fossem um soco?

20 janeiro 2017

Imersio


Imersio I

Eu vim aqui pelo submergir...
Sem cordão umbilical,
propus-me a ser o homem da zona abissal,
porque o mundo já não me era ardil significante.
Irrefreável mar de idealizações.
Foi preciso resignar-se na desistência
para adentrar hipotética treva total.

Para desafiar o vínculo que enclausura a essência no corpo,
desvendei o labirinto da carne.
Deixei a vaidade do humano ver toda chaga.
Se o baile violento nada importa à essência,
importaria o sangue derramado?
Com as respostas navalhadas, abri a porta em mim.

É infinita a escadaria do abismo,
seus degraus não são vistos, todavia, sabemos que estão lá.
Líquidas escadas de remorsos
donde enxergamos nossos cadáveres.
Emoções padronizadas foram arrastadas por um rio caudaloso:
Era o prelúdio do mais novo rompimento.

Imersio II

Véus foram rasgados
onde noite e dia brincavam.
Conflitos anciãos esvoaçavam
como penas de pássaros abatidos em pleno voo.

Mais uma vez corri em direção à... Luz? À escuridão?
Já não sabia a verdadeira face do meu novo precipício.

Inundado de significação, envelhecido,
virei areia do tempo infinito,
a essência não ocupada da metafisica do belo.
Atrelado às linhas tecidas na sombra ou no clarão,
sempre encontrado, sempre perdido.

Fluido ou poeira cósmica tão significativa quanto a água para a purificação...

Painting: Quang Ho.